Memorial será erguido em homenagem aos 22 boias-frias mortos na maior tragédia rodoviária da história da cidade de Assis
por Ramon Barbosa Franco
A manhã de 6 de julho de 1983 jamais foi esquecida para as famílias de 22 cortadores de cana de Assis, a 80 quilômetros de Marília. Naquele dia, por volta das 7h30, Anízio, Benedito, Dionízio, Geraldo, Ivoni, João, Joaquim, José Cassimiro, José Reinaldo, José Vitor, Sebastião, Cirillo, Neide, Maria de Lourdes, Conceição, Vitório, Edilson, José Pereira, Mauro, Maria Rosa, Maria Selma e Ivo, todos boias-frias a caminho do canavial em Maracaí, perderam suas vidas na rodovia Raposo Tavares, a SP 270. Uma das maiores estradas do Estado, já chamada de ‘Corredor da Morte’, registrou a maior tragédia rodoviária da história de Assis na altura do quilômetro 454 – a Raposo tem 650 quilômetros de percurso.
O acidente abalou não só o Estado, mas todo o Brasil. Tanto que no mês seguinte, em agosto de 1983, o então deputado federal pelo PMDB de São Paulo, Paulo Zarzur, protocolou no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1762 estabelecendo mais segurança e conforto no transporte rodoviário de boias-frias, e estabelecendo outras providências na proteção dos trabalhadores rurais, também chamados de ‘volantes’. As vítimas foram sepultadas no Cemitério da Saudade, em Assis, e lá permanecem até os dias de hoje. Contudo, conforme informou o diretor do cemitério Fabiano Cavalcante – filho de uma cortadora de cana e de um motorista que transportava bóias-frias naquela época – alguns estão em túmulos perpétuos. “A maioria, por ter sido sepultada em túmulos comuns, depois de um período, acabaram tendo seus restos mortais depositados no ossário, onde seguem até os dias de hoje”, comentou.
No quilômetro 454 do ‘Corredor da Morte’ há uma grande cruz, em ferro, que traz na sua travessa 22 cruzes menores. Cada cruz lembra uma das 22 pessoas que não prosseguiram para o eito daquela manhã. Um eito corresponde a cinco ruas de cana e, naquele ano de 1983, o corte era manual. Queimava-se a palha do canavial e, depois, a podão e facão, trabalhadores como o adolescente Joaquim Vitor, de apenas 14 anos, o mais novo cortador de cana que morreu na maior tragédia rodoviária de Assis, ou como o idoso José Pereira, de 60 anos, a vítima mais experiente, derrubavam as moitas de cana. E eram muitas moitas a derrubar em infindáveis eitos queimados. Depois, as canas derrubadas seguiam para a usina, onde eram transformadas em açúcar, em álcool, em commodities, e em dólares. A economia paulista, desde então, sempre fora alavancada pela imensa força do agronegócio vinda da cana-de-açúcar, da produção de álcool e da fabricação do açúcar.
Memorial
Cavalcante, o administrador do Cemitério de Assis, lembrou que por pouco, mas muito pouco mesmo, não era o seu pai o condutor daquele ônibus que, ao seguir para Maracaí – cidade vizinha e grande polo canavieiro do Oeste paulista – bateu de frente com a carreta que vinha de Presidente Prudente carregada de madeira. A carreta fez um L – ou seja, cabine para um lado e reboque para outro – fechando a pista da Raposo. “Queremos preservar com muito respeito e seriedade as histórias das 22 pessoas que morreram neste trágico acidente e, por isso, a Prefeitura Municipal de Assis pretende construir um memorial no cemitério”, disse.
Não é a primeira vez que o Poder Executivo de Assis prestará homenagem póstuma aos cortadores de cana que morreram em 6 de julho de 1983. Quase uma década depois do acidente, o então prefeito Romeu Bolfarini, através do Projeto de Lei 3.049 de 2 de junho de 1992, denominou as ruas e avenidas de um novo conjunto habitacional – o Assis III, na Vila Maria Isabel – com os nomes das 22 vítimas fatais.
“Agora estamos pedindo que as famílias entrem em contato com o Cemitério de Assis, através do whatsapp (18) 3324-9259 e nos traga mais informações sobre os trabalhadores que morreram. Também estamos buscando contato com os sobreviventes daquele acidente”, orientou Cavalcante. O memorial será erguido entre as quadras 17 e 18 do cemitério e proposta da administração do local é acomodar no memorial os restos mortais das vítimas. Entre os mortos, estavam adolescentes – de 14 a 15 anos – mulheres – de 17 a 46 anos – e homens – de 20 a 60 anos. Algumas vítimas pertenciam à mesma família, como os de sobrenome Vitor. Ao menos 13 pessoas ficaram gravemente feridas. A seguir, leia os nomes completos e as respectivas idades dos 22 cortadores de cana mortos na tragédia.
Anízio Luiz Ribeiro, 33 anos
Benedito Luiz Franco, 23 anos
Dionizio Fernandes dos Santos, 35 anos
Geraldo Passarelo, 51 anos
Ivoni Vanda Henning, 17 anos
João Vitor, 25 anos
Joaquim Vitor, 14 anos
José Cassimiro dos Santos, 22 anos
José Reinaldo Amâncio, 28 anos
José Vitor, 29 anos
Mauro R. de Azevedo, 29 anos
Sebastião Benedito, 33 anos
Cirillo Camargo, 38 anos
Neide Cardoso, 18 anos
Maria de Lourdes Nascimento, 18 anos
Conceição Aparecida Claro Soares, 34 anos
Vitório Soares dos Santos, 20 anos
Edilson Aparecido dos Santos, 26 anos
José Pereira, 60 anos
Ivo Cordeiro, 15 anos
Maria Rosa do Nascimento, 46 anos
Maria Selma Medina, 37 anos
Ramon Barbosa Franco é jornalista e escritor, autor do romance regional ‘Canavial, os vivos e os mortos’, que narra a história fictícia de uma família de cortadores de cana da mesma região paulista onde ocorreu a tragédia de 1983.